A minha Síria
Três crianças entraram na minha vida. Até aqui, nada de extraordinário. Considerando que estou desde sempre ligada ao ensino, as crianças entram na minha vida de forma simples e regular. Umas ficam algum tempo, outras ficarão para sempre.
Estas crianças de que hoje falo, foram diferentes. Não no sentido em que não há crianças iguais, mas no que respeita à sua história de vida já vivida que, de tão tenra idade, carrega um peso que apenas conseguia vislumbrar à distância de notícias, de atrocidades passadas em locais tão distantes quão distantes são as notícias que entram na nossa casa, no retângulo da televisão, e de imediato são substituídas por outros assuntos.
As crianças Sírias, como inicialmente me foram referidas, filhos de uma família que o colégio onde trabalho resgatou do cenário de terror e pobreza a que estavam presos, estas três crianças tocaram em mim, como docente, como pessoa, como mulher, como mãe.
Os seus olhos grandes, ávidos de saber e conhecer mais do mundo, um mundo que se pode viver, ensinaram-me que podemos devolver-lhes uma vida, uma infância, uma tranquilidade, um ambiente em que poderão crescer saudáveis e em paz.
Percebi que seria importante que as crianças percebessem como são os afetos de uma família no seu novo país e trouxe-os para casa. Mostrei-lhes a minha família, deixei que eles fossem um pouco família também.
O tempo foi passando e parecia que os fantasmas iam aparecendo com menos frequência, sem conseguir imaginar como podem ser assustadores, exceto quando fechava os olhos e deixava passar na tela do meu pensamento o filme colorido das histórias que fui conhecendo da vida desta família, destas crianças, de olhos ávidos de saber.
Necessidades educativas específicas, mais do que especiais, claro que sim. Trabalhar para que se tornem bons alunos, para que possam desenvolver todo o seu potencial, é fundamental.
Desejo continuar acompanhá-los para que cresçam saudáveis, com vontade de viver, sem medo de adormecer, contribuir para que se tornem bons cidadãos, distinguindo o bem do mal e, pouco a pouco, esquecer que um dia, nas suas vidas, apareceram fantasmas, que deixavam traços no azul dos céus e no brilho dos seus olhos.
E esta a minha forma de acreditar que um dia o mundo será melhor, porque os homens e as mulheres a quem foi dado o dom da inteligência, ultrapassaram as divergências e acreditam que todos podemos viver sob o mesmo sol, porque este, quando nasce, nasce de igual modo para todos.
O seu testemunho, Ana, é de uma sensibilidade tocante e inspiradora para quem o lê. Todos os gestos que refere, os do colégio e os seus, simbolizam aquilo que todos nós, aqui, referimos como essencial quando se fala no acolhimento de refugiados. São precisas essa coragem e sensibilidade para oferecer a mão a quem chega devastado pela memória de experiência violentas. Bem hajam todos os que têm a coragem para abraçar essa missão!
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