Garantir um futuro digno aos refugiados tornou-se uma meta e um obstáculo. Uma meta, porque a reintegração destas populações é prioritária; um obstáculo, porque nenhum país tem recursos estruturais suficientes para fazer face ao fluxo de refugiados e as políticas externas de alguns países comprometem a criação de uma rede de apoio de intervenção rápida e mais eficaz.
Neste contexto, abordar as necessidades e direitos de todos os afetados por este palco dramático só é possível mediante ações para reestabelecer oportunidades ou mesmo criar novas. Para isso, e respondendo à questão colocada, é necessário ultrapassar barreiras linguísticas para se perceber as suas reais necessidades – embora se assegurem à partida as necessidades básicas de alimentação, espaço seguro (casa/abrigo), médicas (identificação de doenças e sua prevenção, vacinação) – e acima de tudo diagnosticar corretamente problemas psicológicos (stress pós-traumático, luto, burnout, depressão, medos, abusos,…) de modo a restaurar a dignidade de adultos e crianças fortalecendo o seu bem-estar psicológico, o qual depende dos recursos internos e externos de cada um, podendo o seu nível ser mais alto ou mais baixo, ainda que, a exposição a situações adversas e traumáticas por parte destas pessoas ao longo do tempo revele uma adaptação positiva (resiliência). Mas a par da resiliência está o instinto de sobrevivência, isto é, são resilientes porque querem sobreviver.
Podem-se ainda considerar como obstáculos à integração no país de acolhimento não só os mitos existentes nas sociedades, em virtude de diferenças religiosas, culturais ou dos perigos relacionados com atos de terrorismo e que provocam um medo social. O desmembramento familiar, uma vez que a família constitui a base segura e o próprio contexto educativo, o qual pode ser discriminatório e preconceituoso em relação a várias camadas sociais e não necessariamente a refugiados.
Numa sociedade marcada por valores e critérios pouco nobres (afinal o status económico é que define quem somos e é lamentável neste país) não é de admirar o “humanismo à la carte”… mas cabe-nos ter o bom senso de nos lembrarmos que : “a nossa liberdade começa onde a liberdade do outro termina”.
Pretendo com isto dizer que as intervenções eficazes só o são quando há comprometimento de ambas as partes, por isso, os refugiados ao serem acolhidos num país “estranho ou desconhecido” têm…não diria o dever…mas o bom senso de acatarem regras definidas nesse país; é impensável alterar toda a sua dinâmica de funcionamento de um país ou organismo mas sim criar um ponto de ajustamento de parte a parte. Por um lado, passariam para a opinião pública uma imagem diferente e, por outro, porque é a base para se realizar o enquadramento adequado das suas necessidades – principalmente quando existem crianças – e para se procederem às respetivas ações personalizadas de integração.
Creio que o principal desafio, dos refugiados como dos profissionais relaciona-se com a capacidade de ambos se adaptarem às necessidades um do outro; os refugiados, desenraizados do seu país, terão de se reajustar a uma nova forma de viver e a outros tipos de “adversidades”; a sociedade terá de evoluir e os profissionais, principalmente, os psicólogos, terão de desenvolver intervenções clínicas direcionadas para a reconstrução de uma nova resiliência quer individual, quer social para essas populações, o que requer um esforço acrescido por parte destes profissionais.
Para terminar, no nosso país há muito a fazer....e não é só pelos refugiados que queiram vir para cá.
Carla A. Bastos
Cara Carla
Obrigada pela sua profunda reflexão e contributo. Noto que tocou num ponto sensível: a "necessidade de ajustamento de parte a parte". Penso que essa é uma questão nem sempre abordada com a profundidade devida, muitas vezes "embrulhada" em discursos politicamente corretos, que deixam ficar nos "bastidores" questões de ajustamento e respeito fulcrais em qualquer processo de acolhimento do Outro.
Efetivamente "alterar toda a dinâmica de funcionamento de um país" é incomportável, indesejável mesmo. O desafio é esse ajustamento mútuo.
Gostava que todos refletissemos um pouco sobre isto.
Sónia Seixas
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