Boa noite,
Aplicando o método de storytelling , a jornalista Catarina Santos esculpiu a história particular de Samu , uma biografia interativa, que desperta emoções através de um diálogo realista e apelativo aos sentidos, numa abordagem pedagógica e metafórica, enquanto instrumento de transmissão de elementos culturais, de regras e valores éticos.
Trata-se, mais do que uma história, de uma vida, a exemplo de tantas outras, que vivencia em nome próprio e em primeira mão, um conflito que perpassa todos os níveis de análise possível.
Samu: ” …e na líbia podes estar a lutar com um rapaz, pode passar um homem e ele não lhe dirá para parar. Não, vai olhar para ti e continuar o seu caminho…”
Ponte de partida para todas as histórias de refugiados é uma situação limite, tal como reforçado pelo Presidente da Cruz Vermelha na Sicília, a propósito da operação Mare Nostrum “Eles fogem de guerra, de ameaças de morte, violações ou de locais que ficaram inabitáveis…e que nem sequer têm medo de morrer na embarcação, porque tudo seria melhor do que ficarem onde estão.”
e ao mesmo tempo, uma situação de indiferença perante aqueles que “olham e continuam o seu caminho”. Esta indiferença brota não apenas do outro que vive e partilha a mesma terra, a mesma nação, mas é existente à escala global, em diferentes situações. Há aqui um longo caminho a percorrer no que toca a sensibilização e partilha de informação “de modo a que esta indiferença global, como foi definida pelo Papa Francisco, possa ser ultrapassada”, o que se encare o fenómeno da imigração como algo estrutural
“Não faz parte de uma emergência, não é apenas a operação Mare Nostrum, não é apenas um ministro ou um governo que privilegia isto, mas sim a evolução da história, da geografia”, sustenta. “Este povo tem de fugir dali, tem de seguir outro caminho e isto ninguém pode parar. Vêm e continuarão a vir, pedindo acolhimento”.
É, de facto, quase “um continente que se move”, utilizando as palavras de um diretor de um centro de acolhimento de migrantes. Perante tal aumento do número de migrantes, ninguém fica indiferente e, mais do que isso, todos saem afetados. Se, em parte, os números aumentaram devido à crise económica e ambiental, há também uma outra crise a erupcionar - a crise social. A desconfiança e o medo passaram não apenas a pertencer ao universo de quem se lança ao mar em busca de sobrevivência e de projeto de vida para si e os seus, mas igualmente de quem se vê confrontado, enquanto país que acolhe, com um tsunami de seres a invadir as suas vidas já por si nada facilitadas. Quer isto dizer que qualquer ação e interação entre elementos de um sistema, incluindo as relações, estruturas e interdependência entre elas, criam dinâmicas nas quais cada um dos elementos forma parte de um todo e, consequentemente, se encontram a um nível superior à simples soma das partes. De tal forma que qualquer ação que produza alteração em uma das partes, ela irá repercutir-se necessariamente nas restantes partes do sistema e, como tal, também irão exigir intervenções mais complexas e múltiplas no terreno.
Ao “trabalhador social” (onde se incluem uma vasta componente de técnicos de variados âmbitos- educativo, psicológico, social-, não se esgotando apenas nos assistentes sociais) compete o papel de agente de mudança que irá acompanhar, supervisionar e contribuir para a superação de problemáticas complexas, pois
“ El riesgo, la incertidumbre y la reflexividad caracterizan cada vez más el presente, de tal forma que cada vez más los conflictos y los problemas sociales a los que tienen que hacer frente los trabajadores sociales no pueden ser observados como simples problemáticas de «única solución», a la que se llega después de un determinado procedimento metodológico (científico), sino que los problemas son cada vez más complejos, de múltiples caras y varias soluciones. [Garro, J. , 294]
Sendo assim, de entre todos os modelos de intervenção social apresentados, há que saber adotar aquele(s) que melhor garantem a resposta à problemática diagnosticada, sempre com a noção de que a acompanhamento/superação/resolução da situação dependerá inicialmente da capacidade de prevenir ou, na ausência de planos de prevenção, da capacidade de responder a situações de risco social. O diagnóstico inicial leva a que se desenhe muitas vezes mais de um modelo de intervenção, definindo por vezes mais de uma atuação (concertada ou não), exigindo com certeza uma avaliação constante sobre as opções tomadas.
Retomando o caso paradigmático de Samu e sua história de vida, e avaliando pelas suas próprias palavras e emoções em que afirma
“… quando cheguei parecia um louco…mas devo dizer que agora a minha vida mudou”
“ao fim de 6 meses de dor no coração …”
e dirige 90% das orações para quem o acolheu na Itália, referindo-se a essa nação como “a minha mãe e o meu pai”- , depressa se consegue percecionar que todo o processo de acolhimento e de inclusão é complexo, dinâmico e fásico. Partindo de um choque inicial, de pura sobrevivência a vários níveis de existência, passando pelo desenraizamento sócio-cultural, a consequente perda de identidade e de projeto de vida em terreno hostil, verifica-se (já em território europeu) uma continuidade no latejar do sofrimento. Apenas uma abordagem holística e sistémica enriquecidas pela persistência, resiliência e a empatia podem devolver a esperança a todos os Samus- e ele começa a sentir a mudança, readquirindo sentido para a sua vida.
“Seis anos depois de a vida lhe ter trocado as voltas, Samu voltou a sonhar”
Neste caso específico a intervenção deve ser pautada por uma abordagem multidisciplinar, multifocal e multidinâmica, isto é, envolver pessoas de várias áreas da formação integral (psicólogos, assistentes sociais e professores) que tomam em consideração os diferentes focos de atuação, não apenas de um ponto de vista humanista/existencialista e crítico/radical, mas sobretudo tendo em conta um modelo sistémico. Quando a intervenção visa solucionar aspetos circunscritos a curto prazo poder-se-ão privilegiar modelos mais centrados na tarefa ou de gestão de crise, o que no caso de Samu parece aplicar-se numa primeira fase de intervenção (modelo de intervenção em crise) e eventualmente numa fase intermédia (modelo centrado na tarefa). Contudo, para que se tenha a perceção holística de todo o tipo de efeito/resultado conseguido, sugere-se uma dinâmica contínua de ação-reflexão-ação, priorizando os modos e domínios de intervenção de acordo com a fase em que o indivíduo se encontra, não deixando de o considerar como um dos elos de um sistema único e complexo. Mais uma vez, não se trata de considerar apenas a soma individual dos “retalhos”, mas antes o entrosar de cada uma das peças de retalho e a forma como cada uma se relaciona com a outra peça da manta, respeitando a multiplicidade e colorido que a constituem no seu todo.
A metodologia AFIR, no fundo parte destes pressupostos e aplica uma metodologia baseada em princípios de ação, também eles sistémicos:
- Antecipar e avaliar- apostando em ações de sensibilização e prevenção, tentando antecipar situações problema, realizando diagnósticos
- fomentar e formar- apostando em parcerias interinstitucionais e desenvolvendo formações viradas para competências em mediação para agentes que operam no terreno
- implicar e intervir- potenciando e promovendo a implicação e “empoderamento” dos refugiados no seu próprio processo de superação, estimulando a comunicação entre todos os intervenientes do processo
- robustecer e divulgar- praticar a partilha de boas práticas, enaltecendo o dever ético da ajuda ao próximo, inspirando outros neste processo de mudança social à escala mundial.
No campo da complexa teia social nada se modifica por acaso e se
todos estivermos de olhos e ouvidos bem despertos, se ousarmos dar um
contributo no terreno da compaixão empática, se soubermos abrir os nosso
corações de forma genuína, com certeza, quero eu acreditar, que em conjunto
conseguiremos encontrar um caminho para uma cultura e sociedade mais entrosada,
mais inclusiva, mais acolhedora.
Grata pela oportunidade de reflexão e crescimento em conjunto!!!
Cara Carla
Excelente articulação entre os conteúdos da reportagem e os recursos de apoio ao Módulo.
Muitos parabéns pelo trabalho que fez e, também, pela sensibilidade que mostra na forma como expõe a sua argumentação. :)
Gostei muito da imagem que usa, e destaco-a: "não se trata de considerar apenas a soma individual dos “retalhos”, mas antes o entrosar de cada uma das peças de retalho e a forma como cada uma se relaciona com a outra peça da manta, respeitando a multiplicidade e colorido que a constituem no seu todo".
Obrigada pela sua participação e empenho!
PSS
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