No prólogo da Crónica de D. Fernando, Fernão Lopes refere-se a Lisboa de finais de trezentos como a cidade onde " estantes de muitas terras,(...) assi como genoeses e prazentiis e lombardos, e catallaães d' Aragom e de Maiorgua, e de Milam, que chamavom millaneses, e corciins e bizcainhos e assi d' outras naçoões..."
Hoje, os estrangeiros que nos visitam são sobretudo turistas, estudantes fascinados pelo clima, pela luz, comida, beleza, dinâmica cultural, mas acima de tudo porque Portugal é um lugar de diálogo intercultural, onde a diversidade não é apenas tolerada mas protegida e estimulada.
Após os acontecimentos de11 de setembro, os de Madrid, paris, etc,etc, as pessoas vivem num clima de desconfiança. Os turistas ainda os toleramos, estamos em crise e a entrada de divisas é uma mais valia. Quanto aos refugiados a conversa muda de tom. A conversa generalizada, é que : porque é que têm direito a uma casa se os de cá não têm, vão tirar subsidios aos de cá, têm direito a tudo e mais alguma coisa, etc,etc. E o mais grave é que a maioria acredita que a vinda maciça de refugiados nomeadamente os de origem mulçumana, são para o estabelecimento do califado. O que as pessoas desconhecem é que existe um fundo social para os refugiados e que ninguém vai tirar nada a ninguém. Temos que desconstruir estas ideias. Somos um povo tolerante, solidário. Sempre recebemos bem, não vamos deixar que o preconceito, e os estereotipos nos moldem. Somos um país que se orgulha de preservar a sua identidade, baseada na convivência e no respeito pelo outro.
Infelizmente, temos assistido a diferentes níveis de pesar e de solidariedade consoante a cor da pele ou a proveniência das vítimas.
Quando o conflito estalou na Síria e enquanto se manteve longe, apenas alguns "aldeões da Aldeia Global" através das diferentes ONG's - como a UNICEF, Social Watch, Avaaz, Amnistia Internacional , entre outras - apelaram ao fim da guerra.
É visível a indiferença para com aquele que sofre e é absurda a apatia geral.
Inacreditavelmente, existem pessoas que justificam atrocidades como se as pessoas estivessem culturalmente preparadas para o grotesco e nesse caso, o rapto brutal das alunas da Nigéria teria maior impacto na nossa cultura e entre as nossas jovens, porque para as outras - "as desses países" - "a violação faz parte das suas tradições, pelo que devem estar preparadas para isso". Enfim, é no mínimo desconcertante, sobretudo quando estas opiniões não são somente fracos frutos de pessoas sem formação (no exemplo, o discurso ora reproduzido e testemunhado foi proferido por uma licenciada em Psicologia).
Entretanto, fora da agenda estão milhöes de deslocados que apenas säo referidos nos Dias internacionais desta ou daquela cruel realidade, sem que mude coisa alguma e sem que exista discussäo de facto. Eu tenho 43 anos e recordo de uma infância em que a televisão nos trazia notícias de fome extrema à hora do jantar. E o que mudou para as crianças do Corno de África?
A problemática dos refugiados do conflito sírio, por exemplo, já näo parece estar na ordem do dia. Na agenda mediática, o terrorismo ganhou um tempo de antena distinto, atribuído apenas, no que respeita a quem sofre, às vítimas que fazem ganhar audiências.
O frio está a chegar e já não existem caminhantes desprotegidos? A viagem destas famílias será agora menos penosa e as condiçöes de acolhimento seräo agora mais dignas?
Como temos a tendência de apenas nos preocupar quando o mal bate à nossa porta, acolher será também falar com franqueza das nossas hesitações, fraquezas, preocupações, promover o diálogo para que possamos participar na solução. É imperativo desconstruir mitos.
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