Os principais obstáculos com que os refugiados se confrontam: deixar o ambiente conhecido e hostil (perseguição), e enfrentar o desconhecido (país de acolhimento, língua desse pais, cultura, hábitos sociais..)
Alguns obstáculos que os refugiados encontram, cada caso é uma caso, e o que para um pode constituir um obstáculo, para outro o "dito" obstáculo pode funcionar como uma força motriz para a mudança, isto é, ser a força para a mudança para o refugiado ultrapassar os traumas que traz consigo e nesse sentido transformar o trauma numa fonte ou forma de resiliência..
Algumas crenças e mitos que as pessoas dos países de acolhimento manifestam: que o refugiado é uma pessoa igual a cada um de nós, com a grande diferença de que não estamos a fugir do nosso país e da perseguição, que o refugiado é uma pessoa diferente de nós. Que os refugiados não são todos iguais, que os refugiados são todos iguais. Que os refugiados são um grupo, que não há refugiados individuais.
Refugiado é um adjetivo que caracteriza alguém com um determinado status. Que os refugiados são todos "bonzinhos". Que os refugiados são uns "desgraçadinhos". Que os refugiados não têm problemas psicológicos ou eventualmente, psiquiátricos.
Partilho com quem tiver interesse o link do artigo que foi publicado ontem no Jornal de Letras online intitulado "Os refugiados fora do paraíso" a propósito do livro "O comboio do Luxemburgo" de Irene Flunser Pimentel e Margarida de Magalhães Ramalho sobre os refugiados judeus em Portugal: http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/2016-10-26-Irene-Flunser-Pimentel-Os-refugiados-fora-do-paraiso
Cara Ana Paula
Obrigada acima de tudo pela sua partilha do link do artigo de ontem, é sempre bom estarmos a par do que se vai falando e lançando acerca desta problemática.
Apreciei bastante a sua forma de escrita e deixou-me a pensar nas "aparentes incongruências" com que nos presenteou: "que o refugiado é uma pessoa igual a cada um de nós, (…) , que o refugiado é uma pessoa diferente de nós"; "Que os refugiados não são todos iguais, que os refugiados são todos iguais". Acima de tudo sobressai uma tendência tão comum de colocarmos "tudo no mesmo saco", de etiquetarmos como um todo um determinado grupo, mesmo que essas etiquetas sejam opostas (diferentes… iguais / bonzinhos…. desgraçados).
Também foi muito importante ter colocado a tónica na resiliência e no facto de episódios de vida traumatizantes, negativos, devastadores, se poderem tornar em oportunidades de mudança. Como poderemos ajudar a reconverter a vulnerabilidade numa força motriz para a mudança? Penso que esse é um desafio de peso…
Sónia
Cara Sónia e restantes colegas,
Ser refugiado é uma circunstância de alguém, antes de ser refugiado, estamos a falar de pessoas, e as pessoas não se podem catalogar como se faz com os livros.
Há a tentação de as catalogar. A natureza humana é tendenciosa e é mais fácil dar nomes às coisas e colocá-las em caixas.
Mas tudo aquilo que tem a ver com o ir mais além na compreensão do mundo tem a ver com tirar os nomes e tirar das caixas.
É um trabalho permanente o processo de conhecimento do outro e de nós na relação com o outro.
O ser humano é preguiçoso, cai facilmente na tentação de voltar a categoriza através dos juízos de valor.
A aceitação do outro, o olhar o outro como ele/ela é, igual e simultaneamente diferente de mim é algo que nunca está acabado. Dura até morrer.
O que é diferente ou diverso de mim tende a ser categorizado como estranho, esquisito, excêntrico, algo temeroso..mexe com os nossos medos do desconhecido.. conhecermo-nos melhor e "ambicionarmos" conhecer o outro, implica fazer a viagem no desconhecido..
Falar é fácil. Mais do que palavras alinhadas umas a seguir às outras, que fazem sentido gramatical mas que transmitem apenas ideias, a sociedade precisa que os indivíduos sejam solidários com o seu semelhante no dia a dia.
Frequentemente, no supermercado, na rua, nos transportes públicos, o que observo é que, as pessoas correm e olham para os telemóveis, não manifestam interesse pelo outro que está ao lado, as relações estão mergulhadas numa grande indiferença. Noto uma grande indiferença, principalmente, e superficialidade nas situações de proximidade. Sinto que as pessoas não estão disponíveis para o outro, apenas para receber, não para dar. As pessoas raramente sorriem para um desconhecido. Eu já o fiz, e a resposta que recebi foi de estranheza. Pessoalmente, considero que há muito a fazer para reverter este modo de estar. Quando os adultos não dão o exemplo, não podemos esperar que as crianças o possam fazer. As crianças reproduzem os comportamentos dos adultos. Reparo que também há muita competitividade não por ser uma melhor pessoa, ajudar os outros, dar de comida a um animal na rua, mas sim por mostrar que se tem o iPhone topo de gama ou o último modelo automóvel, ficar por cima em termos de status, não interessa os meios, interessa os fins. Mas todos sabem, não são as palavras que acolhem. Precisamos mais do que boas intenções, disso está o mundo cheio, precisamos que as pessoas que acolhem sejam em quantidade maior do que as que são indiferentes, para que o balanço seja positivo. Precisamos que as boas intenções correspondam a acções concretas. Um abraço não se explica.
Já parou para abraçar a pessoa que está consigo na fila do supermercado? Já sorriu para algum estranho? Teve uma palavra de atenção para o seu vizinho? Se não fizermos estas coisas com os nossos com quem nos cruzamos no dia a dia, vamos estar preparados para acolher os de fora? Estamos preparados para acolher os refugiados?
É nas pequenas coisas que as pessoas se revelam e que revelam a forma como chegam ou não ao outro. Estar atento ao que se passa à nossa volta, envolvermo-nos.. Tudo o mais é um discurso politicamente correto. Os discursos politicamente correctos como já constatamos não levam a lado nenhum.
Cara Ana Paula
Após ler esta sua última mensagem, fiquei sem palavras…. mas depressa recuperei :-)
Identifico-me muito com a sua forma de pensar e privilegio muito mais os atos do que as palavras no meu dia a dia. Tenho perfeita e plena consciência de que os mesmos se podem reproduzir por terceiros e que podem servir de modelo a terceiros (principalmente a "terceiros" mais novos).
Também estou ciente que colocar algumas pessoas (ou grupos) em gavetas faz um pouco parte do nosso modo de funcionamento humano. O perigo não é tanto esse mas o de "fechar essas gavetas indefinidamente", inviabilizando qualquer mudança nas nossas perceções, representações e mesmo estereótipos.
Uma postura de maior abertura e tolerância também nos permitirá manter essas "gavetas abertas" e a "recolocar e transferir" as pessoas que lá colocámos de uma para outras. Afinal todos mudamos… por isso é também essencial que essa mudança seja percebida pelos outros.
Finalmente, desafio o grupo a abandonarem o discurso politicamente correto…. é um facto que nem sempre nos leva a lado nenhum...
Sónia
Cara Sónia e restantes participantes neste fórum
As vossas reflexões neste fórum em particular levam, inevitavelmente, a identificar o medo como um dos principais obstáculos ao acolhimento dos refugiados. E é, naturalmente, um medo sentido por ambas as partes, mas de formas diferentes.
Os que chegam, trazem as vulnerabilidades resultantes da sua condição, por isso tudo temem. Embora eu acredite que, depois de temerem pela própria vida e pela vida dos seus, depois mesmo de perderem parte desses entes e até a própria noção de identidade, o medo se transforma noutro tipo de angústia e de cansaço. A partir dali, julgo até que existirá uma certa torpeza e o medo será uma defesa para lidar com o desconhecido, mas será também talvez uma forma de equilibrar a esperança, a ânsia de encontrar um mundo novo que lhes devolva parte da dignidade perdida. É possível que algum desse medo resulte em fechamento e, noutros casos, em revolta, nem sempre percebidos por quem acolhe. Neste, por sua vez, reside a estranheza e o distanciamento emocional. O medo de acolher encontra, muitas vezes, justificação na aversão à mudança e na nossa própria vitimização ("quem nos dera a nós viver melhor, ter melhores condições, quanto mais para outros que nem conhecemos..."). Somos animais de hábitos e de rotinas, e mesmo a solidariedade tem o seu tempo próprio para acontecer - nem sempre é fácil entendê-la não como algo que depende menos da minha vontade do que da necessidade urgente do Outro. O facto de hoje não me apetecer fazer nada pelo Outro, não faz com que ele/a deixe de precisar de ajuda... Em última análise, quem recebe o refugiado, manterá a sua superioridade, mesmo que decida partilhar o que tem e o que sabe. Mas como nem sempre tem consciência disso, deixa também dominar-se pelo medo.
Não há certo nem errado, e nem deve haver julgamento. Pelo contrário, se ficarmos em cima do muro, veremos como ambos os lados podem ser legítimos. O desafio é ir derrubando os muros, até que ambos se possam ver e aceitar melhor, sem o peso da História, sem amarras culturais ou limitações sociais. E esse é o maior desafio do Mundo, esta crise de refugiados só vem lembrar e mostrar que ele está longe de ser superado e que ainda temos um longo caminho de aprendizagem até glorificarmos a nossa essência: o sermos Humanos.
Abraço!
Ana
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