A Europa confronta-se com uma longa crise migratória e entre esta mole humana também há refugiados. Buscam todos melhores condições de vida, fugindo, alguns, de zonas de conflito para as quais não poderão retornar, tão cedo[1].
Várias são os obstáculos que concorrem para a sua integração, assinalando nós alguns deles.
A dificuldade em falar a língua dos países de acolhimento ou, acima de tudo, em aprendê-la, cerceia a integração social a quem chega, nos aspectos mais elementares da vida diária, tais como pedir informações, tentar preencher documentos, encontrar uma casa, ter acesso aos transportes, fazer compras num supermercado, ir ao médico, frequentar uma escola ou um curso. A aprendizagem da língua do país de acolhimento será, decerto, potenciada pela proficiência que detiverem na sua língua materna.
O fosso que se gera entre pais e filhos na aprendizagem da língua do país de acolhimento e os fenómenos de enculturação mais fortes nestes últimos acabam por criar muitas tensões familiares. Acresce que os pais manifestam muitas dificuldades em acompanhar os seus filhos em meio escolar, na medida em que não estão familiarizados com toda a dinâmica inerente nem detêm um domínio da língua que lhes permita fazer este acompanhamento e compreender os aspectos inerentes ao sistema ensino em que os seus educandos estão inseridos, bem como outros aspectos. Tal situação é retratada no filme Fatima, de Phillipe Faucon (2015). Esta mãe que tudo faz pelas filhas e com dificuldade em acompanhar o percurso das mesmas, por não dominar o francês, acaba, no decurso de um acidente de trabalho, que a deixou diminuída, por escrever às filhas, em árabe, relatando-lhes as suas mais profundas frustrações e transmitindo-lhes tudo o que não consegue dizer em francês [2].
No East Forum 2016, em 14 de julho, em Roma, Zygmund Baumann mencionou que, nos fenómenos de imigração, os países de destino podem obrigar os imigrantes a confinarem-se aos ghettos, evitando o convívio com os nativos, todavia, mas tal não acontece nos fenómenos de migração. Afirma Baumann que «o fenómeno da imigração poderá ser controlado politicamente, restringido, encorajado, planeado ou aceite... tal não é o caso das migrações». Perante esta lógica de acção, Baumann, em vez se falar em multiculturalismo, que define como viver ao lado do outro, mas não com o outro, propõe o conceito de diasporização que refere ser um processo através do qual um estranho se torna nosso vizinho de porta.
As dificuldades acrescidas em encontrar trabalho para estas populações somam-se à inércia com que se confrontam quer os refugiados quer os migrantes, sujeitando-se, muitas vezes, a ocupar postos de trabalho muito aquém das suas expectativas e que envolvem sérios riscos e, acima de tudo, não raras vezes, das suas habilitações. Muitos empregadores, cientes do desespero que lhes assiste, exploram-nos indiscriminadamente, até porque aqueles desconhecem as leis laborais do país de acolhimento.
O aluguer de uma casa torna-se difícil de alcançar, pela sua condição e pelos baixos salários que auferem, sendo obrigados a viver muitas vezes em grandes grupos plurifamiliares, nas periferias, em condições deploráveis.
O receio da deportação para os indocumentados resulta em graves problemas de saúde, muitas vezes, de saúde pública, e na dificuldade em obter apoio legal. Alguns, traumatizados pelas circunstâncias em que se encontram e por força de limitações inerentes à sua própria cultura, têm dificuldade em aceitar os seus problemas de saúde mental e desencadear a ajuda.
Não falar a língua, saber atravessar uma rua, apanhar o autocarro, compreender os sinais de trânsito, pedir informações sobre direcções, obter uma carta de condução, revelam-se como tarefas muito desgastantes. Todas estas barreiras contribuem para a invisibilidade em termos sociais.
É voz comum, infelizmente, pelos medos que expõe das sociedades de acolhimento, que os migrantes e refugiados constituem uma ameaça para os países de acolhimento, pois entre eles poderão estar alguns membros que poderão por em causa a segurança nacional e comunitária, esquecendo-nos, muitas vezes, que alguns dos cidadãos dos países de acolhimento estão no cerne desta ameaça, alistando-se em movimentos que desestabilizam áreas geográficas como a Síria e o Iraque, neste momento.
O desespero de migrantes e refugiados compele-os para as fronteiras da Europa, razão pela qual as operações resgate são incontornáveis. Não é, por isso, pela maior capacidade de resposta que a Europa revele, que o número de pessoas aumentará, mas, reiteramos, porque o desespero de se fazerem ao mar em busca de uma vida mais estável o dita.
Nestes tempos líquidos em que vivemos, assistimos a uma resposta fragmentada e ineficaz de uma Europa, amarrada às restrições de uma crise económica recente, pois as tarefas que se perfilam são muito exigentes, “mais do que promete a força humana”, resposta esta que, nos termos em que decorre, só poderá ser justificada pelas épicas proporções sem precedentes que esta crise assume e, ao que tudo indica, sem fim à vista, porque de migrações em massa se tratam, o que envolve, estima-se, cerca de 3% da população mundial. O impacto que esta crise de migrações, de longa intensidade e duração, terá na Europa, conduzirá a uma profunda reflexão sobre o seu papel no contexto geopolítico e ao redesenhar das suas políticas e do seu projecto actual.
Notas :
[1] David Weatley (1990). A marcha.Filme. BBC-TV
[2] Phillipe Faucon (2015). Fatima (2015). Filme. Pyramide distribution [http://www.allocine.fr/video/player_gen_cmedia=19555469&cfilm=227827.html].
Cara Eveline
A sua mensagem é de uma profundidade e toca em aspetos tão diversos, mas tão interligados entre si, e tão determinantes no acolhimento e integração dos refugiados, que me será impossível comentar na íntegra tudo o que escreveu. Mas entre os vários aspetos que me chamaram a atenção, não posso aqui deixar de realçar um deles pela ausência que até agora ele teve: o desfasamento tantas vezes observado entre pais e filhos…. os diferentes ritmos de integração (cultural, linguística..) entre pais e filhos num outro país e todas as dificuldades, fragilidades e barreiras que isso acarreta dentro de uma mesma família de refugiados.
Este aspeto ainda não tínhamos refletido e penso que é de grande importância.
Também não conhecia esta diferenciação de conceitos de Baumann: multiculturalismo (viver ao lado do outro) e diasporização (processo através do qual um estranho se torna nosso vizinho de porta). Muito interessante esta diferenciação.
Por último, as questões do dia a dia, as dificuldades quotidianas que tanto parecem contribuir para a "invisibilidade social".
Peso que nos deixou muito para refletir…. obrigada
Sónia
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